Uma Comunidade Chamada pela Graça

Uma Comunidade Chamada pela Graça

Uma Comunidade Chamada pela Graça

Entrelaçada em todo o tecido do Antigo Testamento está a confissão de fé vivificante e cheia de esperança: “O Senhor é misericordioso e compassivo, lento para se irar e cheio de amor” (Salmos 145:8). Dos livros históricos (Êxodo 34:6-7; Números 14:18) aos profetas (Joel 2:13; Jonas 4:2), dos Salmos (Salmos 103:8 145:8-9) aos sermões (Neemias 9:17, 31), este testemunho da graça de Deus sustenta a fé do Antigo Testamento. O favor gratuito e não coercitivo do Senhor não foi uma mera reflexão tardia no testemunho de nossos ancestrais bíblicos. Foi o sopro vivificante que os capacitou a andar com Deus e uns com os outros.

O Senhor havia revelado essa graça de forma ímpar através da libertação de nossos ancestrais do Egito e com o estabelecimeto da aliança com eles no Sinai. O ato de Deus de fazer “nascer” o povo da aliança das águas do mar para a família da aliança (Êxodo 15) não foi uma resposta obrigatória à performance humana nem um resultado de manipulação humana. Foi uma graça pura, imaculada, dada livremente. Essa graça divina, no entanto, não apareceu primeiro no importante nascimento do povo de Deus. Há muito que precedeu os atos poderosos de Deus no mar e na montanha. Essa graça que “veio antes”, essa graça precedente ou preveniente, havia de fato levado as pessoas ao próprio ponto de seu nascimento como comunidade.

Uma Comunidade Chamada pela Graça

A noção da graça precedente de Deus muitas vezes aparece no Antigo Testamento como um chamado divinamente iniciado que ocorre antes de qualquer ação ou resposta humana. Esses chamados acontecem nas vidas de indivíduos como Moisés (Êxodo 3:1-12), Josué (Josué 1:1-9), Samuel (1 Samuel 3:1-11), Isaías (Isaías 6:1-8) e Jeremias (Jeremias 1:4-10). Eles ocorrem em convites para a comunidade escolher o caminho que percorrerão (Deuteronômio 30:11-20) ou para escolher que divindade eles servirão (Josué 24:2-18; 1 Reis 18:21). Eles cumprem com desafios proféticos para que o povo de Deus retorne para Ele. Eles aparecem em palavras da lei que ensinam práticas de fidelidade e em convites à sabedoria para escolher bênção e o caminho da vida e bênção (Provébios 8:1-21; 9:1-6). Em todos esses chamados, antes de um passo humano ser tomado em direção a Deus, Deus caminha em direção aos humanos. Ao mesmo tempo que Deus inicia esses chamados, Ele se recusa a forçar ou manipular as respostas de comunidades e indivíduos.

Entre os muitos chamados iniciados por Deus no Antigo Testamento, um em particular prenuncia todos que o seguem. Esse chamado divino definitivo envolve o primeiro patriarca e matriarca, Abrão e Sarai (Gênesis 12:1-3). As gerações subsequentes lembrariam do chamado de sua avó estéril e seu avô nômade. Como se eles estivessem olhando num espelho, eles viram o reflexo de seu próprio chamado e jornada, propósito e futuro, vitórias e fracassos. Através desse casal, eles testemunharam a graça de Deus que já estava presente e ativa antes de Sarai e Abrão sequer tomarem o primeiro passo em direção a Deus.

Estéreis e sem terra, esse casal não tinha esperança para seu futuro. Independente de como eles podem ter usado seus escassos recursos para sobreviver, seus esforços eram inúteis. Nessa angústia humana comum para sobrevivência, o Senhor decretou bênção, promessa e esperança. Em sua incapacidade de produzir e sobreviver, a graça de Deus abundou mais que as estrelas no céu e a areia da praia. A palavra de Deus de bênção, promessa e esperança foi acompanhada com um chamado: “Vá.”

Como é que esse casal vazio, estéril e sem terra começa a sair de seu mundo estabelecido e previsível em Ur dos Caldeus e vai para um mundo que não faz sentido? Como é que esse casal poderia começar a imaginar a possibilidade de terem descendentes? Como eles poderiam viajar para uma terra que eles nunca haviam visto? Alguém pode dizer que eles tinham intuição, uma intuição santa, uma intuição iniciada por Deus. Nossos ancestrais bíblicos testificariam que o Senhor apareceu e graciosamente chamou seus nomes. Esse casal não se aproximou primeiro de Deus—Deus veio e se aproximou deles primeiro.

A graça de Deus que estava presente e ativa antes de Abrão e Sarai tomarem qualquer primeiro passo de forma alguma foi uma força coercitiva ou manipulativa que os jogava como se fossem peões em um tabuleiro de xadrez divino. Foi foi uma graça atraente e convincente que os perseguiu, os chamou e os guiou. Desde o início, o chamado do Senhor foi um convite para participar plenamente com Deus em Sua presença. Esse casal não ficou passivo ou irresponsivo. Sua caminhada com Deus foi sinérgica (trabalhando junto) e bilateral (mútua e consensual). Deus estava presente e ativo em suas vidas e eles participaram de boa vontade como instrumentos da graça de Deus para toda a humanidade. Deus os abençoou e eles se tornaram a bênção de Deus para o mundo.

Ao longo do caminho, esse casal encontrou dificuldades para confiar inteiramente no Deus que os havia chamado. Eles falaram falsidades para autopreservação. Eles objetificaram e usaram sua serva egípcia, Hagar, apenas para descartá-la no deserto. Eles duvidaram e temeram e questionaram. Eles responderam rindo à promessa de Deus de um filho. Mesmo assim, o Deus que chamou, prometeu e guiou nunca deixou de buscá-los. A divina graça de Deus continuou a estar presente e ativa em todo passo de sua jornada, uma jornada que suas próprias identidades foram transformadas quando Deus trocou seus nomes para Abraão e Sara.

Para o Bem do Mundo

              Parar com Abrão e Sarai poderia nos levar a concluir que na divina soberania de Deus, Ele escolheu somente esse casal e seus descendentes para serem filhos de Deus e tinha rejeitado e abandonado todos os outros membros da raça hunana. Entretanto, essa conclusão emerge somente se ignorarmos o que vem antes de Gênesis 12, assim negligenciando o único propósito para o qual Deus tinha chamado e abençoado esse casal. O divino chamado de Deus sobre suas vidas certamente não era para ilustrar Sua soberania salvando uma família e condenando o resto da humanidade—derramar graça sobre poucos, mas castigo em todos os outros. A razão para essa “graça que chega antes” na vida de Abrão e Sarai era unicamente para que eles mesmo pudessem, pela graça, se tornarem graça para toda a humanidade.

A “graça que precede” do Senhor certamente não começou na história de um casal escolhido em Gênesis 12. Ela começou “no começo” quando Deus criou os céus e a terra. Bem antes de Deus estender graça para Abrão e Sarai, Deus estendeu graça para toda a criação e toda a humanidade. Bem antes de Deus chamar esse casal, Deus chamou outro casal: Adão, o humano e Eva, a mãe de todos os viventes. Mesmo na culpa e na vergonha deles e no ato de se esconderem de Deus, Deus chamou seus nomes e perguntou: “Onde estás?” (Gênesis 3:9).

A graça que precede de Deus que chamou Abrão e Sarai tem sempre sido presente e ativa pelo bem da humanidade. Nenhum ser humano habita fora dessa graça preveninente que é dada livremente, sem coerção, que chamou a humanidade “naquele tempo” e que chama a humanidade agora.

Timothy Green é deão da Escola de Teologia e do Ministério Cristão de Millard Reed e professor de Teologia do Antigo Testamento e Literatura na Universidade Nazarena de Trevecca em Nashville, Tennessee, EUA.

Holiness Today, Setembro/Outubro de 2020.

 

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